sábado, 16 de setembro de 2023

O Amor acaba (!) (...) (?) (.)

 


AMOR ACABA (!) (...) (?) (.)

Amor que surpreende (!)

Quando Violeta, de sua poltrona do ônibus, na ponte Rio Niterói, viu as águas da baía de Guanabara prateadas pelo sol da tarde, sentiu o Amor vibrar em suas células. Não era consciente, mas algo gravado num lugar mais profundo do que a sua memória. Ela se perguntou como era possível um sentimento tão forte, depois de 30 anos de mudança para a Serra. E onde ficava a aversão que sentia atualmente pelo Rio de Janeiro? E uma voz res[1]pondeu: “Você pensa que deixou de me amar?”. “Uau!”, ela pensou. E a voz continuou: “Quantas coisas maravilhosas vivemos aqui, desde que sua cabecinha surgiu entre as pernas de sua mãe!”

Na mesma hora, Violeta fez uma analogia com outros amores desfeitos em sua vida e que, apesar de diferentes, causavam até hoje a mesma vibração positiva. Imediatamente seu casamento de quarenta anos, dissolvido há mais de dez, veio à tona. “Quantas coisas boas vivemos”, constatou ela. E percebeu que quando se recordava desses bons momentos suas células ressoavam da mesma forma que quando admirava as belezas de sua antiga cidade. E a voz da consciência – irracional, incorpórea, não emocional –, onde tudo está guardado, se fez presente lembrando-a que o Amor existe para nos ensinar a viajar por esse espaço infinito, onde habita. Os mestres que seguia em sua caminhada espiritual diziam que essa prática do “não tempo” só é possível vivendo apenas “o momento presente”. Mas, recentemente, ouviu de um deles que estar permanentemente no presente é inviável, pois nossa mente intelectual, regida pelo ego, está constantemente nos transportando ao passado. Ele sugere que a volta no tempo deva ter a função de analisar e desconstruir as histórias antigas gravadas nas memórias emocionais, para que possamos analisá-las com nossa consciência atual, desfazendo os nós que ficaram para trás e amarrando belos laços para o futuro.

O jogo dos amores acabados (...)

E Violeta, para passar o tempo da viagem, resolveu inventar um jogo. Sua ideia era comparar dois amores importantes e interrompidos: o amor pelo Rio e o de seu casamento, sob o enfoque de nós e laços. E ela começou a relembrar:

O Rio me apaixonava por suas belezas naturais. Praias e montanhas coexistiam em uma cumplicidade peculiar, onde águas salgadas, doces e matas verdes se apresentavam para serem vividas e reverenciadas.

É, mas fui embora porque já não estava mais aproveitando nada disso, o que doía em meu coração.

 Meu casamento me encantava pela cumplicidade entre personalidades tão diferentes que conviviam como os mares e montanhas no Rio de Janeiro.

É, mas a vida nos mudou e, em alguns momentos, os mares invadiam nossa realidade; em outros as montanhas eram duras demais. Isso me fazia sofrer, não consegui conciliar.

Minha cidade era glamorosa, cheia de atrações intelectuais, culturais, artísticas e gastronômicas que me enriqueciam e alegravam minha essência geminiana. Como me diverti nos “Anos dourados do Rio de Janeiro”.

]É, mesmo assim, quando as dificuldades financeiras surgiram e não me permitiram mais alimentar minha essência intelectual, artística, social, e a segurança de todos nós foi ameaçada pela violência, nada mais valia à pena. Procurei uma alternativa, saí da minha cidade natal.

]Meu marido era alegre, desfrutava das possibilidades que o Rio nos oferecia. Gostava da casa cheia, sabia receber e acolher. Oferecia o que podia de melhor para a família e amigos.

É, mas quando circunstâncias o tornaram introspectivo, isolado, desconectado das alegrias triviais da vida, foi preciso me separar para sobreviver. Uma atitude sofrida, porém, libertadora.

A cidade maravilhosa produzia filhos alegres, comunicativos e sociáveis. Todo carioca se destacava no mundo com seu jeito descontraído e um bom humor incomum. Sempre me orgulhei de ser um deles.

É, mas quando a irritabilidade, a má vontade e o medo de se comunicar e andar solto pela cidade tomaram conta da atmosfera geral, resolvi ser uma filha carioca em outro lugar.

 Meu marido também gerou filhos maravilhosos como a nossa cidade natal. Todos foram desejados, cuidados e acompanhados por um pai amoroso e presente. Alegria e união eram a marca da nossa família.

É, no entanto, em algum momento, ele se desconectou dessa energia, deixando um vazio impossível de preencher. Foi duro tomar a decisão de partir para uma nova vida e continuar a viver a alegria familiar em outro lugar.

O jogo acabou. E o amor (?)

Violeta analisou o jogo e percebeu que em cada situação exposta havia duas polaridades: positiva e negativa. Ela pensou que assim é a vida, somos Luz e Sombra. Porém, a energia gerada pelo polo positivo de todas as situações expostas no jogo fazia vibrar em suas células o mesmo Amor que o mar da Baía de Guanabara, em sua mais bela iluminação.

E ela fez o inventário positivo dos dois amores, começando pelo Rio. Como esquecer o privilégio de viver numa cidade tão abençoada pela natureza? Os banhos de mar de sua infância, no Leme, com a família e a proteção do pai. A praia do Castelinho, que esconde até hoje os segredos de seus primeiros amores. As leituras rápidas do jornal, entre mergulhos, antes de ir para o trabalho de jornalista. Levar os três filhos, pela primeira vez, ao contato com o mar. Os passeios na Floresta da Tijuca, para sentir a sensação do frio da mata e o barulho da cachoeira. Momentos mágicos guardados no seu coração. Toda a alegria, bom humor, liberdade e facilidade de comunicação que o Rio generosamente transmitia era uma marca indelével e positiva em qualquer lugar do planeta. Isso lhe despertava gratidão por todos os carismas que sua cidade de origem trouxe à sua vida. “É muito bom ser carioca!”, pensou.

Ela continuou a análise do jogo, constatando como também foram bons os quarenta anos do seu casamento. Quanta conversa, tentativas de conciliar temperamentos, procurar por ferramentas que os ajudassem a melhorar o relacionamento e a convivência familiar. Viagens, algumas a sós, outras com as crianças, por lugares especialmente escolhidos, eram constantes e enriquecedoras. Além disso, terapias, busca pelo autoconhecimento, iniciação e vivência espiritual estreitaram seu relacionamento e os fizeram ser pais abertos a conversas. Os filhos, até hoje, carregam essa carga emocional de uma família feliz e reproduziram esse modelo nas suas próprias tribos.

O Amor não acaba (.)

Chegando ao Rio, no final do jogo, Violeta se perguntou: “E então? E o negativo? Onde fica?” E ela concluiu que é o negativo que nos impulsiona à transformação. Ao longo da vida, os obstáculos nos fazem perguntar “para que” vivemos as dificuldades. E se soubermos encontrar as respostas e crescer com elas, não maculamos o lado positivo – onde está o Amor verdadeiro. E é por isso que, ao voltar ao passado, conscientemente, desatamos os nós e construímos belos laços nessa linha do tempo quântica que começa a ser descortinada pela ciência, aproximando-a da espiritualidade. Violeta, então, fortaleceu sua crença de que o Amor é nossa conexão com a Consciência Infinita, o Cosmos, Deus, como cada um quiser chamar. O Amor verdadeiro é energia pura, nossa essência primordial, transcende o tempo e as pessoas. Não pode acabar.

Crônica publicada na edição 2023 da coletânea "Juntas e Diversas" do Instituto Leituras e In Media Res Editora de Nova Friburgo.

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