sábado, 3 de dezembro de 2016

Chapecoense – carma coletivo





Nada mais iluminado do que morrer no auge da alegria. Essa foi a imagem que me veio à cabeça a semana toda. Aquela equipe bradando com entusiasmo o hino do clube, braços para cima, pulando e irradiando a vitória e o espírito coletivo. Não apenas os jovens, mas os dirigentes experientes e maduros. Embarcaram todos, envolvidos nessa energia contagiante de somos vencedores e vamos vencer mais uma. De repente o desastre, a tragédia, morte e tristeza! Isso não pode ser por acaso.

Tristeza? Sim. A perda nos faz tristes. Tão jovens com uma carreira pela frente e vidas cortadas. Será mesmo assim? Mortes coletivas têm um sentido espiritual forte. Elas remetem a reencontros cármicos da mesma origem e a necessidade de “devolver” algo à coletividade. Desse modo, esses jovens não teriam uma trajetória promissora a viver. A vitória desses espíritos era a alegria compartilhada e a própria morte trágica comovendo o mundo. Se era isso cumpriram sua função nesta vida.

Não gosto de falar de missão, me soa pesado, obrigatório, com sentido de cobrança. Função é prático, ação, exercício do livre arbítrio. É o que viemos fazer no mundo da matéria. Cada um tem as suas. Também não é uma só. São várias. A cada momento da vida nos defrontamos com desafios que nos encaminham para o cumprimento de uma determinada função. Como a equipe do Chapecoense, desde os dirigentes até os jogadores. E também os jornalistas envolvidos na cobertura. Todos usaram o livre arbítrio para estar ali, juntos, naquele momento que os levaria à imortalidade. A aceitação dos cargos, a escolha dos jogadores, o empenho dos atletas, a competência dos profissionais da imprensa. Tudo fez parte de um plano para que a função deles, de irradiar alegria e mobilizar o mundo, se concretizasse. E fizeram tudo direitinho.

Quem poderia imaginar que um time do interior de Santa Catarina sacudiria o mundo com tanto impacto. A começar pela Colombia que desencadeou o processo.  Jamais esqueceremos, foi lindo, emocionante.  A comoção colombiana também faz parte da função do carma coletivo vivido pelos atletas, jornalistas e dirigentes. Eles nos lembraram que são nossos irmãos latinos, mesmo sangue, mesmo território, da nossa família. Mostraram a necessidade de união entre os povos coirmãos.

Quantas vezes nos esquecemos disso... O Brasil tem uma grande responsabilidade nesse processo de união da América latina. Quem viaja pelo continente percebe como somos amados, admirados e bem recebidos. Será que correspondemos à altura? Somos orgulhosos dessa posição e esquecemos os outros. A Colômbia nos mostrou o amor escancaradamente. Função cumprida, turma do vôo interrompido!

Vamos pensar então no resto do mundo. Todos os olhos voltados para o sinistro. Várias manifestações de atletas em muitos campos de futebol, dos mais humildes aos mais famosos. A comoção com a perda de tantos jornalistas na cobertura de um evento. Quando embarcaram naquele avião, os passageiros não sabiam que trariam à tona questões tão importantes para a aviação. Fiscalizações mal feitas, economia de combustível, trapaças envolvendo a vida humana. E, ainda, a necessidade individual de uma boa escolha na hora de escolher prestações de serviços.

Além disso, a tragédia foi uma pausa e uma energia de união e solidariedade no momento conturbado que o país vive. Esquecemos a dualidade e a bipolaridade e nos unimos na dor e no espanto. O presidente foi ao gramado do Chapecoense para a cerimônia fúnebre, estava lá, de pé, rendendo homenagens a um povo sofrido, realidade, talvez, muito distante dele. É bom encarar a dor de frente.
Poderia ficar aqui enumerando muitos outros fatos que constatam a importância dessas mortes trágicas e que justificam a tese espiritual do carma coletivo. No entanto, prefiro ficar com a imagem mais forte – todos partiram num momento de glória, decorrentes de esforços pessoais. Suas mortes entraram para o inconsciente coletivo com o reconhecimento de um trabalho positivo. Ninguém apaga isso. A “dívida” foi paga. Muito bem paga. Sigam em paz espíritos de luz.